quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O Chamado 
1 - INTRODUÇÃO:

A oração é o acontecimento que atinge decisivamente e para sempre a existência de uma pessoa. Perceber, assumir e viver fielmente essa vocação "chamado" é algo que vai acontecendo num processo de amadurecimento gradual.


Na vocação, há uma grande dose de mistério. Nem sempre é razoável, coerente e explicável. A história das vocações está povoada de fatos surpreendentes, espontâneos, às vezes sérios e outras vezes engraçados. Quase sempre a história de uma vocação foge de uma leitura puramente racional.


Quando falamos em vocação, é a pessoa que está em questão. É ela indentidade incomunicável e intransferível. Cada vocação tem o peso da realidade pessoal, do processo histórico. É a aventura de cada pessoa na descoberta do Deus vivo - experiência profunda do ser eleito, querido, chamado e enviado por Deus. Essa experiência verdadeira marca para sempre a vida da pessoa, atingindo os ossos e a medula, impossibilitando-a de ficar acomodada.


2 - RELAÇÃO DIALÓGICA


O que impulsiona a humanidade para frente é a comunicação. Temos necessidade da comunicação. Como é gostoso falar daquilo que somos, daquilo que gostamos, como é gracioso falar daquilo que amamos . Já diz o provérbio Latino "o bem se difunde por si mesmo". Declaramos na comunicação aquilo que somos. Deus é assim. Ele se revela, se comunica, na sua palavra, nas suas ações, na natureza, nas pessoas, na sua obra criadora. Quando falamos de Deus, comunicamos a profundidade de sua vida em nós. Revelamos até que ponto Deus atingiu nossos ossos, nossa medula, nosso ser.


A palavra de Deus é Jesus Cristo, sua encarnação - manifestação histórica e concreta. Jesus é comunicação - notícia de Deus. Sua vida, presença, pregação , sua morte e ressurreição é a mensagem, revelação, testemunho, explicação de Deus ao mundo. Em Jesus tornar-se visível quem realmente é Deus. Jesus é a chave para compreendermos a vocação, ou seja, o "chamado". Não é possível sentir-se chamado por Deus, descobrir a própria vocação, vivê-la fiel e quotidianamente sem uma relação profunda com a Palavra de Deus. Em Jesus, Palavra plena de Deus ao mundo, ouvimos o chamado. Toda opção vocacional verifica-se dentro de uma história de diálogo e de comunhão, de acolhimento e de relação com Jesus Cristo. Se a opção vocacional, como acolhimento, resposta e missão, não for feita em relação à Palavra de Deus, torna-se simples busca pessoal, que se ajusta e submete a circunstâncias concretas, interessadas e imediatas.


O espaço vital da pessoa chamada é a Palavra de Deus. Não só se alimentar da leitura da mesma, mas vive desta escuta. Faz dela oração pessoal e comunitária: A palavra de Cristo habite em vós com toda sua riqueza (Col3,10). A Palavra de Deus está na Bíblia , na Igreja e em cada pessoa . Em cada um de nós desperta ecos particulares , sendo por si mesma, ponto de partida para o discernimento mais pessoal e mais íntimo do chamado de Deus à nossa vida. A Palavra de Deus nos alcança , remove-nos e comove-nos, toca-nos e levanta-nos. É semente posta no coração, espalhada no campo amplo e pessoal de cada um. Aí é o lugar muito próprio, no qual se manifesta.


O fato vocacional cresce e se desenvolve geralmente em clima ou espaço em que a Palavra de Deus possa expressar-se e encontrar eco. Não é suficiente um simples atrativo natural e pessoal, inclinação natural, certo gosto. Onde está a Palavra de Deus, ali se nutrem, suscitam e florescem vocações. A leitura da Palavra de Deus, oração, a celebração da fé permitem à Palavra de Deus dirigir-se a cada um, encontrar o ambiente, a situação e o lugar de reconhecimento da mesma.


Isso é decisivo não só para o nascer de uma vocação, mas para o processo de amadurecimento e perseverança. O chamado-vocação pode paralizar-se ou até esterilizar-se se for perdido o ambiente onde já não se ressoa o dinamismo da Palavra de Deus. Esse dinamismo pode ser sufocado.


A Palavra de Deus vivo desperta conhecimento, opção de entrega incondicional, compromisso. Entrando nessa dinâmica toma-se consciência do discernimento, eleição, decisão e fidelidade humilde. A Palavra de Deus é tesouro escondido no campo (Mt 13,44-46). A abandonar tudo para acolher o Todo. A alegria do achado impulsiona a pessoa à decisão radical de conversão ou mudança de vida.


Deus se dirige à pessoa e a convida. Não despoticamente. A pessoa é livre. Pode recusar o chamado. "Chamei-vos e não respondeste, falei e não ouvistes" (Os 65,12).


Falei-vos assiduamente, ainda que não ouvísseis, e vos chamei, mas não respondestes (Jr 7,13). Na medida que a pessoa resiste a crer, encontra-se sempre com seu medo, com sua incapacidade, procurando desculpas para fugir ao chamado, imperioso comprometedor de Deus.


Ao responder ao chamado de Deus, a pessoa toma consciência de que vai entrar em conflito com as exigências do mundo. Quando Deus chama alguém é para dispor dele inteiramente, de sorte que já não é dono de si, mas o outro domina sua vida. No meio do deserto, Moisés se dá conta de que alguém pronunciou seu nome duas vezes "Moisés, Moisés". Esta experiência é violenta, como a que podemos ter quando alguém nos chama pelo nome num ambiente totalmente estranho.


Quando Deus se aproxima de uma pessoa e lhe fala, esta fica situada diante de uma opção. Este chamamento de Deus é o meio pelo qual ele converte as pessoas inominadas em instrumentos de sua vontade. Este acontecimento reveste a pessoa chamada de "mandato de sabedoria e de responsabilidade". Deus confia uma missão concreta, cujo caráter revela imediatamente ou mais tarde. Este acontecimento é tão determinante que deixa a pessoa chamada totalmente só com Deus.


3 - A NOSSA PEQUENEZ


A eleição nunca está vinculada ao valor ou "status" dos chamados, mas ao agir livre e gratuito de Deus que contradiz, os pressupostos humanos. Quem aceita que Deus o eleja imerecida e surpreendentemente, reconhece sua incondicionalidade e unicidade, como expressão da assunção total das exigências que isso comporta.
A eleição não se funda em pressupostos humanos nem proporciona nenhum tipo de privilégios. Seu sentido profundo e finalidade é que conduz a uma resposta ao amor de Deus, à obediência a ele e ao cumprimento de uma nova missão. Esta decisão não é objetivo alcançado, mas o início de um caminho. Deus como oleiro, trabalha a pessoa como argila (Gn 2,7). Reconhecer que Deus entra na história pessoal e a vai dirigindo, leva a idéia da vinculação pessoal com ele. "Sei muito bem que Deus está por mim"(Sl 56,10). Deus é para o eleito, apoio, único bem, força, libertação, âncora no meio da tormenta, luz no meio das trevas.


Nem todos aqueles aos quais Deus se dirige alcançam o objetivo do seu chamado. A fé e o seguimento são frutos de disposição ou de decisão humana de confiante abertura, de acolhido simples e de fidelidade incondicionada. A eleição é graça. Deus elege a todos.


A resposta como acolhida é sempre confiança. "Vede, irmãos, quem foi chamado entre vós: não muitos sábios em sabedoria humana, não muitos poderosos, não muitos nobres; antes, Deus elegeu a loucura segundo o mundo, para envergonhar os sábios; e Deus elegeu a fraqueza, segundo o mundo, para envergonhar os fortes: Deus elegeu os plebeus, segundo o mundo, anular desprezando o que não é, para o que é (1Cor 1,26-28).
Os pequenos são os pobres de espírito das bem aventuranças de Jesus (Mt 5,3), os simples, o povo baixo, os pecadores, os desprezados, os não inteligentes, os considerados sem direitos ao conhecimento.


Deus cria sempre muitos desconcertos em nossos organogramas . Ele nunca se aproxima para nos dar razão, mas para nós confiarmos nele. Ele nunca nos fala para aplaudir nossos caminhos, mas para que comecemos a percorrer os seus com alegria e confiança incondicional. Quem aceita com humildade o plano de Deus acerca dele, ainda que não consiga entender todo o seu alcance e todas as suas conseqüências, esse é o "Servo do Senhor", como Maria, a mãe de Jesus, protótipo de "eleita" de "chamada": Eis a escrava do Senhor; "Faça-se em mim segundo a tua vontade" (Lc 1,38).

Pe. Carlos Alberto Chiquim

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