sábado, 20 de outubro de 2012

  

30º dia da partida de nosso irmão FERNANDO SALES (ex-tesoureiro regional), para a Casa do Pai Celeste. Que o nosso irmão interceda por nós junto ao Altíssimo.



Leigos franciscanos

Fraternidades em estado de missão

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM (*)
Chamados a colaborar na construção da Igreja, como sacramento da salvação de todos os homens, e constituídos pelo Batismo e pela Profissão, testemunhas e instrumentos de sua missão, os franciscanos seculares anunciam Cristo pela vida e pela palavra ( cf. Regra 6). Seu apostolado preferencial é o testemunho pessoal no ambiente em que vivem e o serviço para a edificação do Reino de Deus nas realidades terrestres ( Constituições Gerais da OFS, art. 17, 1).

1. Vivemos no coração da Igreja. Nós, franciscanos, não formamos um grupo “à parte”. Temos plena consciência de que nascemos no seio da Igreja, de que Francisco nos queria ver servos e súditos desta mesma Igreja. Pensamos na Igreja com seus representantes oficiais colocados aí pelo Espírito e pensamos nessa imensa Igreja, Corpo Místico de Cristo, essa Igreja povo de Deus que caminha através dos tempos tentando edificar o Reino de Deus, essa Igreja que é sacramento, sinal de um mundo novo que é maior do que ela. Alimentamo-nos da vida de Deus no seio da Igreja, somos fiéis ao que para nos determina o sucessor de Pedro e queremos encontrar caminhos novos.
2. Conhecemos as transformações que vive o mundo em nossos tempos e sabemos que também a Igreja busca caminhos novos. Temos em elevado apreço o Documento de Aparecida que nos convida a sermos discípulos missionários. Somos, no entanto, convidados a olhar a realidade. Ficamos perplexos com o esvaziamento de muitas de nossas paróquias e, ao mesmo tempo, com as massas que acorrem para certas manifestações religiosas empreendidas por pessoas com carisma. Temos a impressão que as famílias e os jovens escaparam de nós. Há uma séria diminuição de pessoas que pedem os sacramentos do batismo e do matrimônio. Causa-nos admiração um evento como a passeata dos homossexuais em São Paulo reunindo mais de três milhões de pessoas. Não conseguimos acompanhar as famílias e nossa pastoral dos jovens está estacionada. Não se trata de querer ser pessimista, mas de olhar o que se passa.
3. Nossos grupos de franciscanos seculares vão fazendo sua caminhada. Há viçosas fraternidades novas, mais simples, com pessoas mais vocacionadas, grupos talvez menos devocionalistas. Lutamos pela conscientização do tema da identidade franciscana secular e aquele do senso de pertença. Somos obrigados, no entanto, a reconhecer um generalizado envelhecimento de não poucas fraternidades. Não desanimamos porque a obra não depende de nós. É do Senhor. Sempre confiantes no amanhã, porque está nas mãos de Deus e porque estamos unidos a Pedro e sua barca, temos, no entanto, o dever de nos interrogar a respeito de nossa vida e de nossa presença na Igreja.
4. Antes de mais nada temos o tesouro de nossas fraternidades e irmãos que se dispõem a servir, a lavar os pés uns dos outros e oferecerem seus préstimos ao evangelho. Na realidade constituímos um movimento de retorno ao Evangelho, quanto possível em sua pureza mais profunda. Vivemos num mundo plural. Nossas fraternidades serão lugares de exame dos grandes temas da fé e do mundo. O que é crer? Esperar o quê? O que significa escutar o Senhor hoje? Qual a missão do sacerdote? Como receber os sacramentos em plena veracidade? Nossas fraternidades precisam organizar dias de estudo, de aprofundados retiros. Somos convidados a pensar, discernir, não repetir por repetir. Não somos partidários de uma religião à la carte. Na Igreja somos pessoas de reflexão e buscar colocar vida em nosso interior. Não queremos viver derramados nas coisas.
5. Num mundo individualista, a Ordem Franciscana Secular viverá intensamente a fraternidade. Não apenas uma fraternidade interna, mas aberta ao plural, aos que chegam em nossos territórios, em nossa vizinhança, aos que conhecem percalços na vida no casamento, na falta de sentido de viver. Os que nos vêem deveriam poder dizer: “Vede como eles se amam!”
6. Precisamos de leigos maduros. Insistimos no adjetivo maduro. A maturidade cristã e franciscana serão perseguidas com garra: leigos que sejam leigos, leigos que gostem de estudar e de aprofundar sua fé, leigos que respondam para si e para os outros as questões existências: Quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? O que é viver com discípulo hoje?
7. Num mundo de mediocridade, num tempo em que se satisfaz apenas com as performances financeiras, sucesso exteriores os franciscanos seculares tendem à santidade. Isto se manifesta no cotidiano de vidas despojadas, alegres, cheias de esperança.
8. Não podemos esperar que as pessoas cheguem a nós. Há pistas que precisam ser descobertas entre nossas fraternidades e as pessoas lá onde vivem. Não seria esse o sentido de uma opção pela missão e pela evangelização? Leigos desejosos de seguir Francisco que se aproximam de nossas fraternidades sempre perguntarão: “O que vocês fazem pelos outros?”. Não querem apenas ser recebidos num ninho quente.
9. O centro de tudo é Cristo, vivo, ressuscitado, presente entre nós. Vivemos nele, nele existimos. Sem pieguice vivemos uma vida cristã. Não podemos nos dar por satisfeitos com uma pastoral sem alma, burocrática, feita de eventos mais ou menos grandiloqüentes. Não colaboraremos com um pastoral meramente sacramenalista. Temos vontade, por vezes, de retomar o espírito de evangelização anterior à conversão de Constantino ao cristianismo. Gostaríamos de poder ajudar a construir uma Igreja na lentidão da conversão. Queremos dar a nossa colaboração para que os sacramentos sejam efetivamente epifania do divino. De modo especial batismo, eucaristia e matrimônio precisam ser recebidos como eventos transformadores de existências e não meros ritos de passagem. Não queremos nos centrar na pastoral dos sacramentos, mas sabemos que eles são expressão de uma conversão. Desejamos fazer com as pessoas redescubram de verdade a proximidade de Cristo nesses sacramentos que serão recebidos com plena consciência. Eles deixaram de ser evangélicos e se tornaram ritos sem vida.
10. Salvador Valadez Fuentes, autor mexicano, em seu Espiritualidade Pastoral – Como superar uma pastoral “sem alma” ( Paulinas, 2008) num texto corajoso e provocador mostrando Paulo, como modelo de agente de pastoral, fala daquilo que os cristãos e agentes de pastoral podem fazer: recuperar a radicalidade e a surpresa de ser cristãos e apóstolos; cultivar um substrato de valores humanos onde se encarna a graça: coerência, sinceridade, lealdade, convicção, liberdade, desinteresse; respeitar e alentar os ritmos nos processos de fé e de conversão pessoal e comunitária; valorizar a cruz como elemento fecundo e de autenticidade à nossa missão; saber viver no conflito; promover a solidariedade eclesial em todos os níveis; centrar nossa vida cristã e ministério pastoral na fé, na esperança e na caridade, traduzidas em atitudes concretas; ter uma visão eclesial enraizada na Trindade como fundamento último de todo ministério pastoral; urgir o aspecto missionário da fé; entender e assumir a vida cristã como um combate; encarnar, à maneira de Paulo, as atitudes fundamentais de um agente: força, valentia, liberdade, alegria, recuperar a consciência de ser enviados; não alimentar cobiças nem pretensão de glória; exercer a autoridade como serviço amável; amar com um amor real até à morte, oferecer cuidados de bom pastor às comunidades” ( p. 50). Este texto nos fala de uma vida de missão e de pastoral cheia de mística, de fogo interior.
11. Estamos todos convencidos da importância da família em nossa vida pessoal. Como franciscanos seculares compreendemos bem a problemática desta pequena célula do mundo. Não podemos nos sentir alheios ao tema. O amanhã da humanidade, no dizer de João Paulo II, passa pela família. A Regra afirma: “Em sua família vivam o espírito franciscano de paz, de fidelidade e de respeito à vida, esforçando-se por fazer dela sinal de um mundo já renovado em Cristo. Os esposos, em particular, vivendo as graças do matrimônio, testemunhem no mundo o amor de Cristo por sua Igreja. Mediante uma educação cristã dos filhos, atentos à vocação de cada um, caminhem alegremente com eles em seu itinerário humano e espiritual” (n.17). Evangelizar nossa família, a família dos filhos, as famílias de fora. Na medida do possível seremos evangelizadores de nossa família e das famílias dos irmãos da fraternidade: uma comunidade de vida e de amor, indo do individualismo ao personalismo, lugar de encontro e de estruturação da pessoa, lugar de alimentação e de crescimento, espaço de acolhimento e de encontros, Igreja doméstica sem pieguice.
12. Não podemos imaginar o amanhã da Igreja e da Ordem sem liderança capacitadas, homens e mulheres, capazes de ler os sinais dos tempos, pessoas que reflitam e que coloquem por escrito aquilo que é o fruto de suas preocupações com o homem e o mundo. A Ordem Franciscana Secular terá preocupação de ter irmãos que façam cursos que valham a pena e se coloquem no meio do fogo.
13. Somos fraternidades em estado de missão. A fraternidade é o coração de nosso carisma. A primeira indicação dada pelo Senhor a respeito da credibilidade dos seus discipulos foi o famoso “vede como eles se amam”. O primeiro testemunho é dado por uma vida autenticamente fraterna, tanto na primeira como na terceira ordem. Deus nos ama, nos congrega e nos envia. Um autor italiano, Domenico Paoletti, OFM Conv., escrevendo a respeito da missão franciscana hoje no ocidente escreve: “A fé cristã encarnada no testemunho da fraternidade franciscana vivida com alegria e gosto é sinal luminoso de que evangeliza por irradiação e vive a missão mais como revelação do amor de Deus do que como um serviço funcional dirigido para particulares necessidades. Assim, a missão franciscana é antes de tudo tornar presente e lembrar que a comunhão fraterna, enquanto tal, já é missão pelo fato de contribuir diretamente para a obra da nova evangelização” (Miscellanea Francescana, t. 109, p.424). Mas atenção: uma fraternidade bem constituída, sinal do reino, levará também seus membros a ir dois a dois pelo mundo. Embora, a fraternidade seja, no dizer de alguém, “narração humana do amor divino”, será preciso ir, sempre ir.
14. Referindo-se mais aos frades, o autor do precedente estudo, continua: “A fraternidade, coração do carisma e da missão franciscana, hoje goza de particular atenção numa sociedade da técnica e dos relacionamentos friamente virtuais. A missão para Francisco, na escola do evangelho, é sempre o andar “dois a dois”. Nunca envia um frade sozinho pelo mundo. Os dois vão juntos reconciliados e levando reconciliação. A missionariedade é conseqüência da fraternidade “exodal” (de êxodo) e itinerante, características da fraternidade franciscana, que se põe em contraste com a tradicional “stabilitas”. Para os frades menores o mundo é seu claustro e cada homem seu irmão” Ela foi querida por seu fundador como “fraternidade extática” (em estado de êxtase) e não estática ou estética, como por vezes parece ser reduzida segundo cânones impostos pela cultura contemporânea da imagem: um frade com sandálias num claustro e cercado de gerânios. O centro da fraternidade franciscana está fora dela: em Deus e além dos limites de nosso mundo local e auto-referencial (…) A missão é, na realidade fecunda, somente quando brota de uma vida fraterna de profunda espessura evangélica que dá ao mundo o testemunho do amor do Deus Trindade. A presença-provocação da fraternidade franciscana hoje é uma verdadeira missão abrangente ao se apresentar como uma teologia narrativa do modo de amar de Deus. Trata-se de um “eloqüente” falar de Deus” (p. 425).
15. P. G. Cabra, citado pelo autor que mencionamos antes, escreve linhas contundentes sobre a fraternidade e sua ligação com o mistério da Trindade: “A um Deus comunhão corresponde uma igreja comunhão e tal exige a criação de comunidades fraternas, tanto as religiosas quanto as familiares, onde a realidade comunional se manifesta de forma legível. Uma Igreja sem fraternidades realizadas pode fazer a suspeita da pouca importância da Trindade. Que adianta confessar um Deus comunhão, quando na terra cada um pensa nos seus sucessos, quando a dimensão fraterna é sobrepujada pela dimensão individualista, quando a fraternidade é vista como um ideal abstrato, quando a eficiência imediata torna-se a preocupação principal, colocando na sombra todas as intenções que partam da fraternidade” (. P. 425).
16. Que dizer ainda? O amanhã de nossas fraternidades depende do hoje de nossos empenhos. A casa construída na medida em que o Senhor age. Não somos donos de tudo. Mas sabemos que tudo, dependendo de Deus, depende também de nós. Trata-se voltar ao primeiro amor e sentir no fundo da alma uma vontade efetiva de ir, de conversar, confabular com o mundo que nos escapa : jovens, famílias, credos. Não podemos administrar apenas o caos, o mundo daqueles que hoje estão cansados. Fraternidades missionárias, mas fraternidades que trabalhem na pastoral com discernimento e com espírito crítico. Não se trata de uma mera sacramentalizaçao, mas de mostrar às pessoas um mundo do beleza que conseguimos vislumbrar com Francisco e seu gênero de vida.
(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional do Sudeste III

Os que permanecem e os que se afastam

Presenças e ausências na Ordem Franciscana Secular

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM (*)
1. Terminado o tempo da formação inicial numa fraternidade OFS, o candidato pede ao Ministro da Fraternidade Local para emitir a profissão. Este é um ato eclesial pelo qual o dito candidato, lembrado do chamamento recebido de Cristo, renova as promessas batismais e afirma publicamente o compromisso de viver o Evangelho no mundo. Essa profissão que incorpora o candidato à Ordem é um compromisso perpétuo (cf. CCGG OFS, art. 41-42). Não pode, sem mais, ser deixada de lado. Sublinhamos a palavracompromisso.
2. Na vida é importante escolher, saber escolher, escolher bem. Há escolhas pequenas e outras que constituem orientações fundamentais de vida, projetos existenciais que resolvemos assumir. Assim, uma pessoa escolhe o casamento e a vida familiar. As melhores energias que pulsam na vida de um homem e de uma mulher se dirigem para esse projeto, assumido interiormente e, exteriormente celebrado com uma palavra dada, um sim proferido, primeiro no coração e depois diante de outros. Importante essa palavra dada. Alguém assume, como médico por exemplo, a missão de curar, sanar os doentes. A quebra desse compromisso implica no aparecimento de um profundo mal-estar interior. Não houve fidelidade a uma promessa livremente assumida e o desrespeito à palavra dada provoca desorganização interior quase sempre grave.
3. Muitos irmãos e irmãs da OFS são de uma fidelidade exemplar, modelar. Fazem-se presentes nas reuniões, justificam suas ausências devido a compromissos familiares e sociais ou por questão de caridade familiar. Encantam-nos esses irmãos que aceitam os serviços e trabalhos no Conselho das Fraternidades, até com dificuldades e sacrificando parte do tempo que poderia consagrar à pastoral, à família ou simplesmente a um merecido descanso. Muitos irmãos, mesmo não pertencendo ao Conselho, fazem-se presentes na vida dos doentes e se interessam pelos ausentes. Mais importante do que tudo é sua simples presença. Quando chegam, os outros irmãos experimentam alegria. Sua ausência é sentida. Sua presença fala, grita, anima, entusiasma, encoraja.
4. Na realidade, o que conta mesmo é a qualidade da presença. De que adianta estar com os irmãos, quando alguém não se exprime, não colabora, não inventa a caridade. Tristezas, decepções e aborrecimentos fiquem de lado quando estivermos na Fraternidade. Francisco queria os frades tristes se retirassem para a cela e só voltassem à presença dos outros quando tivessem expulsado de suas vidas o demônio da tristeza.
5. Há os irmãos que se tornam ausentes devido a uma certa desmotivação, mas conservam laços com a Fraternidade. Precisam fazer um retiro, buscar nova motivação, reencontrar a fonte de onde brotara sua vocação. Ministros e Assistentes existem para animar e buscar esses seres bons, mas fragilizados. Em principio não correm o risco de abandonar o caminho encetado. Precisam ser corrigidos fraternalmente. Há certos irmãos e irmãs que “são afastados” devido a injunções de ordem moral. Penso aqui nos casos previstos pelo Artigo 84 das CCGG. Nesta reflexão não me refiro nem a uns nem a outros.
6Muitas vezes ouvimos dizer que irmãos ou irmãs, através de uma carta, “pedem afastamento” da Fraternidade. O que significa isso? Os que professam fazem um compromisso perpétuo. Circunstâncias da vida podem fazer com que um irmão, devido a compromissos profissionais, passe a viver numa cidade onde não há Fraternidade da OFS. Compreende-se um tal “afastamento”. Não está ele desligado, desvinculado da Ordem, não rompeu a promessa. Vive uma situação de impossibilidade de viver as reuniões e a prática da vida de uma Fraternidade, mas continua franciscano. Sofre por não poderem se encontrar. Sente, no coração, uma saudade. Continua, mesmo sem o respaldo de uma fraternidade concreta, compromissado com a Regra e a vivência do Evangelho, franciscanamente, no dia-a-dia. Não se trata de um afastamento radical.
7. Compreende-se que alguém, devido a uma viagem mais prolongada, escreva uma carta justificando previamente suas ausências, dando as razões de um afastamento temporário. Quando tiver terminado o tempo da viagem, ele volta a viver com os irmãos. Não houve rigorosamente um afastamento. Uma pessoa que precisa cuidar de um parente doente não tem condições de estar sempre presente. Ela faz saber o fato. Não tem sentido pedir afastamento. Tal pessoa comparecerá quando puder. Uma coisa é justificar a ausência, expor as razões pelas quais não pode aceitar um serviço no Conselho e outra o fugir…
8Sim, pode ser que muitas dessas cartas de pedido de afastamento sejam simplesmente um atestado de desmotivação, fuga de situações conflitivas na Fraternidade, desculpa para não fazer o esforço que deveria ser feito para viver o Evangelho. Essa questão do “afastamento” não pode ser olhada somente sob o ângulo jurídico. Há situações em que vidas humana votadas a Deus tiram parte da oferenda feita com ardor.
9Por que alguém pode chegar a essa situação de pedir o “afastamento” , que neste caso seria uma demissão?
  • talvez a pessoa não tenha vocação para esse caminho e assim mesmo tenha feito a profissão;
  • nem sempre os formadores são pessoas preparadas para preparar história para o passo tão nobre da profissão;
  • ressentimentos vividos na Fraternidade, falta de empenho de buscar a reconciliação, desavenças com membros do conselho, susceptibilidades levam alguns a pedirem afastamento;
  • em sua biografia pessoal não houve uma busca sincera do Senhor e nunca aprendeu a administrar o negativo da vida e, consequentemente, não soube carregar com Cristo a cruz de todos os dias.
10. Muitos dos problemas vividos em nossas Fraternidades têm sua origem no tempo da formação. As orientações oferecidas pelas Constituições Gerais para o tempo da formação valem para todos os tempos da vida. “Os candidatos sejam orientados para a leitura e para a mediação das Sagradas Escrituras, para o conhecimento da pessoa e dos escritos de São Francisco e para a espiritualidade franciscana, para o estudo da Regra e das Constituições. Sejam educados no amor à Igreja e na aceitação de seu magistério. Os leigos exercitem-se a viver numa forma evangélica o compromisso temporal no mundo.
(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional do Sudeste III

Nossa regra é nossa vida

Revendo os passos dados

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM (*)
A Regra e a vida dos franciscanos seculares é esta: observar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo o exemplo de São Francisco de Assis, que fez do Cristo o inspirador e centro de sua vida com Deus e com os homens (Regra n.4).
E depois que o Senhor me deu irmãos, ninguém me mostrou o que eu devia fazer, mas o Altíssimo mesmo me revelou que eu devia viver segundo a forma do Santo Evangelho (Testamento 14).
Introdução
De 25 a 27 de março de 2011, os irmãos e irmãs da Ordem Franciscana Secular estarão reunidos em Capítulo Avaliativo na cidade do Rio de Janeiro. Franciscanos seculares de todo o país se deslocarão para viverem juntos a experiência do Capítulo. Foi escolhido como tema do encontro, assunto importante para a vida dos seculares: Nossa Regra é nossa vida. Os terceiros franciscanos dispõem de um texto “inspiracional” de sua caminhada e que se traduz na Regra aprovada por Paulo VI, em 1978. Necessário se faz voltar sempre a este documento básico. Normal que num capítulo avaliativo sejam examinados os passos dados nos últimos tempos e que, retomando o fôlego, os irmãos possam olhar com coragem para a meta que está diante de seus olhos. O que queremos? Para onde vamos? O que deu certo? O que precisa ser melhorado? Momento de revisão e de avaliação.
1. Viver é uma graça. O Senhor nos tirou do não existir, teceu as fibras de nosso corpo no seio de nossa mãe e tivemos a ventura de conhecer o mundo, as pessoas, a vida e fazer parte deste cortejo de homens e mulheres que percorrem os caminhos do mundo. Sentimo-nos, literalmente, peregrinos e forasteiros, na busca da plena realização de nossos dias. Sentimo-nos chamados a viver intensamente e não passar em brancas nuvens. Muitos de nós, no seio da família e da primeira infância, junto com o leite e o pão, o carinho e o afeto, viemos a encontrar a adorável figura de Jesus, o Cristo ressuscitado. Somos discípulos de Cristo e essa característica faz parte de nossa identidade. Não cansamos de dizer a nós mesmos que somos cristãos e que precisamos viver à altura. Hoje, a Igreja nos pede que vivamos intensamente o seguimento do Senhor, no sentido de sermos discípulos missionários. Tivemos ainda a graça de conhecer um caminho todo especial. Quisemos ser cristãos à maneira de Francisco e de Clara. Por uma graça toda particular, no seio da família franciscana, os seculares constituem a presença do carisma no meio do mundo, na organização de uma sociedade que seja prefiguração do reino. Somos franciscanos seculares e selamos esta decisão com a profissão solene que emitimos de viver a busca da santidade à maneira de Francisco em nosso estado secular. E vamos fazendo nossa caminhada. O Conselho Nacional acompanha esta caminhada em todo o país.
2. Estamos para realizar um capítulo de âmbito nacional, momento de bênção, de diálogo, de graça. Não se trata de uma reunião formal e fria. Mas um momento importante para o amanhã da vida dos franciscanos seculares. Éloi Leclerc, comentando a importância dos capítulos no tempo de São Francisco, assim se exprime: “Uma ou duas vezes por ano todos os frades se reúnem em capítulo. Esses encontros desempenham um papel importantíssimo na vida da fraternidade. Os capítulos não são somente um tempo forte durante o qual os irmãos, na alegria do reencontro, se reabastecem na oração e no louvor, mas também ocasião de tomada de consciência comum: todos e cada um se sentem solidários e responsáveis pela vida do grupo e por sua missão no mundo (…). Nessas assembleias democráticas, onde reina a grande liberdade dos filhos de Deus, os irmãos discutem seus problemas, comunicam suas experiências e escolhem seus responsáveis. Elaboram, redigem e promulgam leis, definem orientações e tomam grandes decisões que nortearão o futuro da comunidade” (em Francisco de Assis. O Retorno ao Evangelho, p. 60-61). Quais as luzes e as sombras que levaremos ao Capítulo? O tempo é de renovação e de reinvenção. O que propomos concretamente para o revigoramento de nossa Ordem no Brasil? Que análise fazemos de nossas regiões e áreas? O que acontece nas visitas fraterno-pastorais? Qual a qualidade de nossos capítulos em todos os níveis?
3. Vivemos no mundo, vivemos na Igreja, vivemos na Ordem, vivemos transformações. Não é aqui o lugar de elencar todos os desafios e preocupações que habitam em nós, franciscanos, na Igreja e no mundo. Nesse contexto é que a Regra é nossa vida. Nada está terminado. Temos que recomeçar, como dizia Francisco, porque até aqui pouco ou nada fizemos. Há questões que precisam ser respondidas. Há sombras: individualismo exacerbado, indiferença para com o próximo, exclusão, marginalização, drogas, esvaziamento de nossas paróquias, proliferação de seitas, ministros da Igreja nem sempre cheios de entusiasmo, envelhecimento dos membros de nossa Ordem, dificuldades em alimentar a fé das pessoas, falta de um atendimento sistemático aos jovens, desmotivação, leigos que não conseguem chegar a uma maturidade humana e cristã, um número razoável de irmãos e irmãs que pedem “afastamento”. Por vezes, uma pergunta nos trabalha: Até que ponto nossa Ordem consegue exprimir-se? Que significado têm nossas fraternidades franciscanas nas paróquias e dioceses?
4. Algumas convicções e luzes nos estimulam e nos fazem pessoas esperançosas. Vemos surgir aqui e ali movimentos de renovação evangélica. Há fraternidades franciscanas promissoras. Francisco de Assis continua atraindo. Nesse contexto nos lembramos da Regra que é nossa vida. Precisamos nos deter em seu texto que é alimento para nossa vocação e a vivência da Regra será nossa contribuição para o surgimento de um mundo renovado. Não podemos desvincular a Regra de Paulo VI à vivência profunda do Evangelho. Quando um Capítulo escolhe como tema Nossa Regra é nossa vida está apontando para um sério retorno ao Evangelho. Num mundo burocratizado, diante de expressões religiosas fixistas e imóveis, diante de um mundo que parece levar as pessoas a terem como sentido de sua vida o viver o presente, o usufruir das coisas, o esquecimento do leproso, nós temos a obrigação de viver a Regra do Evangelho. Não podemos deixar de dizer que a Regra ainda não foi assimilada pela Ordem. Precisamos sempre de novo mergulhar em suas riquezas para chegar a viver uma identidade franciscana secular.
5. Os franciscanos seculares são leigos que buscam a santidade. Não querem ser cristãos de repetição de gestos e ritos, orações e ações nem sempre nascidas no fundo do coração. Os que buscam nossas fileiras são pessoas (ou deveriam ser) apaixonadas pelo fogo do Evangelho. Esta paixão se traduz na vivência do duplo amor: amar o Senhor e os irmãos. Na vida de todos os dias, na família, na fraternidade franciscana, no trabalho dedicado à implantação, chamado Reino, os franciscanos seculares, “impulsionados pelo Espírito a atingir a perfeição da caridade no próprio estado secular, são empenhados pela Profissão a viver o Evangelho à maneira de Francisco e mediante esta Regra confirmada pela Igreja” (n.2). Sempre temos saudades do Evangelho. O Evangelho nos “picou” e deixou em nós seu “vírus”.
6. Querer refletir sobre o tema da Regra que é nossa vida forçosamente nos leva a reencontrar, redescobrir a força do Evangelho. O peso, o conservadorismo das instituições, uma tradição com t minúsculo, o espírito das aparências, o dogmatismo frio talvez tenham feito com que as pessoas se afastassem da força do Evangelho. Um autor franciscano afirma que a Palavra é dita a partir dos púlpitos e ambãos, em talkshows e reuniões religiosas com forte presença do povo. Não basta isso. Na verdade, Jesus é a boa nova, o Evangelho. Faz bem ler e reler os Atos dos Apóstolos, as epístolas de Paulo onde o tudo é perpassado pelo fogo do Evangelho. Nossa Igreja, depois de Constantino, sempre teve a tentação de se identificar com os grandes e com o poder. Francisco de Assis redescobriu o evangelho das grutas, da simplicidade, da pobreza, do amor que precisa ser amado, do leproso que necessita de cuidados.
7. Um documento antigo da Ordem Franciscana Secular na França se compraz em colocar em relevo o viver o Evangelho. Viver o Evangelho é viver a Regra. “Como São Francisco, queremos fazer do Evangelho a fonte de nossa vida. A ele nos referimos constantemente. Tal empenho não acontece apenas no começo, mas ao longo de toda a nossa vida, não ocasionalmente, mas o mais frequentemente possível, persuadidos de que nunca esgotaremos a riqueza do Evangelho. Frequentando o Evangelho é a Cristo que queremos acolher e encontrar: o Cristo vivo simplesmente presente no meio dos homens, presente no mundo, nos acontecimentos, na história, o Cristo, rosto humano de Deus, Filho único do Pai e testemunha de seu amor pelos homens; o Cristo tipo acabado do homem, em relação com seu Pai e com os homens; o Cristo, cumprindo e realizando através de tudo o que constitui sua vida a salvação do mundo e a glória do Pai”.
8. A Regra da OFS, feita de pedaços da Escritura e de orientações oficiais da Igreja, contém essencialmente o Evangelho. Por isso, no rosto dos franciscanos aparecerão traços evangélicos: uma vida pessoal e familiar de singeleza e simplicidade, vida de despojamento sem requintes competitivos e posturas que humilham; pessoas que vivem para servir e servem para viver; verdadeiros irmãos de seus irmãos de dentro e de fora, irmão não de discursos, mas de fato; gente laboriosa que trabalha sem perder o espírito da santa oração; pessoas que se alimentam cotidianamente da Palavra e da Eucaristia; pessoas que salpicam com a água do Evangelho tudo o que tocam e fazem, ou seja, seu trabalho pastoral, sua missão de pai e de mãe; pessoas que sabem acolher a cruz e que vivem no meio das provações o espirito da perfeita alegria; pessoas que se achegam dos mais simples e pobres; gente que não existe para si mas para que o amor seja amado. Essa é a nossa vida.
9. Retomamos uma reflexão de Éloi Leclerc. Ele nos fala de um espírito evangélico capaz de fazer cair as barreiras entre os homens. “Qual é esse espírito capaz de destruir os muros da separação e reaproximar os homens? O ponto nevrálgico de toda ação evangélica, como também seu melhor critério de autenticidade será sempre o empenho de mostrar abertamente o que a Boa Nova encerra de mais admirável, talvez até mesmo de “escandaloso” para certos homens “religiosos”: Deus, em seu Filho, quis aproximar-se dos pecadores, dos excluídos, dos condenados. Veio buscar os que estavam perdidos, aproximar-se dos que estavam mais afastados, fazer-se amigo deles, sentar-se à mesa em sinal de reconciliação. Este é o cerne da Boa Nova. Tal mensagem não pode ser mero assunto de um discurso. Não pode ser apenas captada por uma pregação no alto de um púlpito ou de uma tribuna. É percebida através de modos de comportamento e no engajamento de uma existência. Exprime-se na cotidiana sensibilidade e atenção para com as angústias dos homens. Comunica-se através da amizade, qualquer coisa como uma cumplicidade fraterna. É precisamente isto que os contemporâneos descobrem em Francisco. Este homem de Deus nunca se colocava acima de ninguém” (Francisco de Assis. Retorno ao Evangelho, p 54-55).
10. Estamos sempre girando em torno do Evangelho. Nossa vida é nossa regra e nossa regra é o evangelho, de modo muito particular o evangelho dos excluídos, dos sofredores, dos mais abandonados. Não somos uma associação piedosa, mas leigos evangélicos que se aproximam do que é mais frágil. Jean-François Godet Calogeras fala da experiência franciscana fundadora: “Todas as aventuras humanas começam por uma experiência fundadora. A experiência fundadora do movimento franciscano está vinculada aos leprosos. Foi servindo aos leprosos e deles cuidando que Francisco fez a experiência de Deus e da felicidade, experiência que ele descreve no seu Testamento como uma passagem do amargo para o doce. Foi, então, que ele compreendeu que estava na trilha errada aderindo aos princípios da nova Comuna de Assis, cuja paz e felicidade estavam fundadas na apropriação e acumulação de bens materiais, sem levar em conta os que não eram contados, não pertencendo a uma minoria privilegiada. Foi aí que Francisco compreendeu que devia mudar e voltar ao Evangelho, a boa nova proclamada aos pobres. A experiência fundadora de Francisco foi a de que irmãos e irmãs humanos ali estavam e que não podiam ser deixados de lado. Não era justo. Isso era importante para Deus porque Deus estava ali. Para os primeiros franciscanos construir uma vida segundo o Evangelho não queria dizer fugir para longe, mas oferecer uma sociedade alternativa fundada sobre a economia evangélica do serviço e da partilha, nas portas de Assis, no país de Deus”. Sem privilegiar este ou aquele tópico da Regra, talvez se pudesse aqui chamar atenção para algumas orientações fundamentais da Regra que é nossa vida:
11. Como irmãos e irmãs da penitência, em virtude de sua vocação, impulsionados pela dinâmica do Evangelho, conformem seu modo de pensar e de agir ao de Cristo, mediante uma transformação interior que o Evangelho chama de conversão ( cf. Regra n. 7). Trata-se de viver em estado de conversão, acolhimento do perdão, transformar o doce em amargo, aproximar-se daquilo que faz o encanto do Cristo pobre e não querer servir ao próprio ego. Importância do sacramento da reconciliação na vida e no exame constante de nossa consciência.
  • No espirito das bem-aventuranças se esforcem para purificar o coração de toda inclinação e avidez de posse e de dominação, como peregrinos e forasteirosa caminho da casa do Pai (cf. Regra 10). Franciscanos leves, caminhando, sempre a caminho, no mundo, com outros…sem peso, sem prosa, sem superioridade.
  • Estejam presentes pelo testemunho da própria vida humana, com iniciativas corajosas, pessoais ou comunitárias promovam a justiça com ações concretas (cf. Regra 15). Criarão condições dignas para os mais pequeninos (cf. Regra 13).
  • Assim como o próprio Jesus foi o verdadeiro adorador do Pai, façam da oração e da contemplação a alma de seu ser e de seu agir (cf. Regra n.8). Não podemos negligenciar a vida de oração: missa, oficio diário, crescimento na contemplação, no meio do trabalho não perder o espirito da santa devoção e da oração.
12. Assim, os franciscanos sempre sentem saudades do Evangelho e a Regra de Paulo VI colocou em nossas mãos o Evangelho na ótica franciscana. Gostaria ainda de fazer alusão a uns poucos tópicos da vida da OFS que merecem ser avaliados neste Capítulo. Nas visitas fraterno pastorais, verificamos lacunas e brechas que precisam ser sanadas:
  • Sempre de novo será preciso trabalhar na busca da identidade franciscana. O tema vem sendo tratado há anos: respirar espiritualidade evangélica, valorizar aquilo que nos torna cristãos discípulos de Francisco, não priorizar outras atividades e outras espiritualidades, vestir a camisa do carisma. Muitas deficiências nascem da falta de vocação e de identificação franciscanas.
  • Palavra importante é fidelidade. Fidelidade à verdade de cada um. Fidelidade ao Cristo vivo. Fidelidade à profissão emitida. Sempre de novo a fidelidade. Fidelidade à sua fraternidade local. Fidelidade a tudo que diz respeito à Ordem. Não aceitar que as coisas corram e aconteçam.
  • Difícil construir a maturidade humana, cristã e franciscana. Nosso tempo é feito de pessoas imaturas. Imaturidade no casamento, na paternidade, na administração dos bens. Há uma maturidade de comportamento, de respeito ao que é dos outros, na hora de assumir um encargo. Há pessoas imaturas que serão eternos adolescentes incapazes de fazer escolhas com seriedade e profundidade. Quantas vezes notamos certa sede de poder, vontade de aparecer, suscetibilidades infantis. Quanta imaturidade no caminho da espiritualidade quando as pessoas não são capazes de assumir a cruz em suas vidas.
  • Estamos preocupados com o elevado número de irmãos e irmãs que pedem afastamento. As mais das vezes o afastamento é solicitado por causa de melindres e suscetibilidades. Os irmãos precisam ser corrigidos fraternalmente para que eles não joguem fora o tesouro da vocação, da profissão e assim tirem o brilho de nossa Ordem.
  • Estamos fazendo um esforço de revitalização das reuniões gerais e de nossa fraternidade local. Será estamos convencidos da importância da qualidade de nossas reuniões do ponto de vista da oração, do estudo, de expressão de fraternidade, de estratégias para a missão?
  • As visitas fraterno-pastorais regionais e locais não podem ser apenas o cumprimento de formalismos. Irmãos, mensageiros da paz e do bem, visitam irmãos, corrigem o que está torto, cobram carinhosamente. Nestas visitas haverá de se insistir no espírito de serviço e de corresponsabilidade em todos os âmbitos.
Conclusão
O Capítulo Avaliativo de março de 2011 deve colocar diante de nossos olhos uma vez mais a perspectiva de vivermos nosso dia-a-dia à luz do Evangelho e da força do Evangelho que é Cristo de tal sorte que, no final da caminhada pessoal e das fraternidades, possamos dizer que vivemos, como Francisco, a aventura do Evangelho. Deus abriu caminhos que seguimos com generosidade e o amargo se tornou doce.
Questões a serem discutidas em fraternidade
  • O que mais chamou sua atenção neste texto preparatório para o Capítulo avaliativo de março de 2011?
  • Quando se estuda a Regra o que, a seu ver, parece fundamental?
  • Como a Regra pode responder a certas sombras de nossos tempos sobretudo as que se referem ao individualismo, indiferentismo,
  • Que traços deveria ter um franciscano secular que vive a Regra?
  • Como andam nossas reuniões gerais e a vida de nossas fraternidades locais?
  • Como se pode chegar a uma maturidade humana, cristã, franciscana e missionária?
(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional do Sudeste III

Experiências fundamentais no tempo da formação

Os primeiros anos de formação do franciscano secular

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Desde o ingresso na Fraternidade se inicia o caminho de formação, que deverá se desenvolver por toda a vida. Lembrados que o Espírito Santo é o principal agente de formação e sempre prontos a colaborar com Ele, os responsáveis pela formação são: o próprio candidato, toda a Fraternidade, o Conselho com o Ministro, o Mestre de Formação e o Assistente. Os irmãos são responsáveis pela própria formação para desenvolver a vocação recebida do Senhor de modo sempre mais perfeito. A Fraternidade é chamada a ajudar os irmãos neste caminho com o acolhimento, a oração e o exemplo (CCGG Art. 37, 2 e 3).
1. Ninguém duvida da importância capital da formação cristã e franciscana em nossas Fraternidades. O tema é complexo e vasto. Estamos convencidos, nesse mundo de profundas transformações, e desejando ser fiéis ao Espírito que nos pede respeito ao passado e inventividade frente ao presente e ao futuro, que a formação precisa ser permanente. Neste texto desejamos apenas fazer algumas considerações a respeito de experiências que parecem importantes no tempo da iniciação e da formação antes da profissão. Na realidade, elas são fundamentais em toda a nossa vida de cristãos e de franciscanos da III e da I Ordem: experimentar Deus, estar junto da dor dos que sofrem e vivenciar a alegria da fraternidade.
2. Vale, neste contexto, lembrar as orientações das CCGG, sobretudo para o tempo de formação que precede à Profissão: “Os candidatos sejam orientados para a leitura e para a meditação das Sagradas Escrituras, para o conhecimento da pessoa e dos escritos de São Francisco e para a espiritualidade franciscana, para o estudo da Regra e das Constituições. Sejam educados no amor à Igreja e na aceitação de seu Magistério. Os leigos exercitem-se a viver numa forma evangélica o compromisso temporal com o mundo” (Art 40, 2). Eis um vasto e belo programa que precisa durar a vida toda. Todas as indicações apontam a formação na linha da busca da santidade e de uma expressiva atuação na Igreja e no mundo.
3. Ao lado desse estudo, como franciscanos, parece importante que sejam realizadas, nesse tempo, três experiências: experiência de Deus, contato com o leproso, experiência do ser irmão ou vivenciar a fraternidade. A formação dos franciscanos seculares não é primordialmente livresca. Necessário, é evidente, que as verdades cristãs e franciscanas sejam levadas até o intelecto e arranquem dele um assentimento. Tudo, no entanto, ficaria incompleto sem as três experiências acima aventadas.
4. Experiência de Deus - O Altíssimo e Onipotente Senhor não pode ser uma mera noção, mas o Fogo que queima, a Bondade que se irradia e o Esposo que busca a Amada. Não se trata apenas de afirmar que Deus existe, que ele é Pai, Filho e Espírito. Será preciso aprender a caminhar na sua Presença e viver sob o seu Olhar. Os cristãos e candidatos à vida franciscana serão levados a fazer fortes e densas experiências de Deus sem apelo a expedientes meramente emotivos. Quanta complexidade no tema! Falamos de uma experiência de Deus. Pode-se falar também numa caminhada com Cristo vivida de forma experimental. Precisamos entender bem a palavra experiência. Não experimentamos Deus como sentimos frio nos pés ou o impacto em nossas vistas de um ipê florido. A experiência de Deus se faz na fé. Ela tem alguns pressupostos: vontade de encontrar o Senhor, limpidez de coração, constante consciência da própria fragilidade, busca do silêncio, iniciação nos salmos, leitura das grandes teofanias do Antigo e do Novo Testamento. Aquele Deus que fala a Moisés, que aparece na brisa suave da caverna de Elias, o amoroso Pai de Jesus é o mesmo que o formando busca e dele precisa fazer uma experiência intensa.
5. Para que esta experiência se produza será de importância capital que os formadores levem os formandos a uma vida de oração que se traduz no exercício da meditação, no hábito de uma participação quase que cotidiana da missa, na vivência de largos momentos de oração pessoal em tardes e dias de recolhimento, em retiros que sejam retiros, na caminhada serena pela natureza que é imagem da beleza de Deus. Insistimos no exercício da presença de Deus, nesse caminhar diante dos olhos daquele que, no dizer do salmo, nos perscruta e nos conhece. De tanto conviver com o Senhor, esse Altíssimo e Bom Senhor, os franciscanos seculares são iniciados na oração (teoria e prática). Os mestres de formação não podem permitir que os formandos professem sem que tenham a certeza de que fizeram e fazem “experiência” de Deus. Os que professam apenas com noções a respeito do Senhor não terão uma feliz caminhada na Fraternidade. “No seguimento de Francisco que descobriu com que amor o Pai nos ama, nunca cessaremos de nos maravilhar desse amor, de acolhê-lo, de viver nele e dar graças por ele. Aprenderemos a discernir em todo ser e em todo acontecimento a presença da bondade do Pai (…). Para Francisco, Deus era o Altíssimo, o Sumo Bem, o Bem Total e a fonte de todos os bens. Desejamos, desta forma, nos voltar para o Senhor na simplicidade e adorá-lo em espírito e verdade, procurando em tudo agradá-lo e fazer sua vontade. Saberemos reservar-lhe o tempo necessário para a oração e reservar momentos para encontrar a Deus” (De antigo propósito de vida da Ordem Franciscana Secular da França).
6. A segunda experiência fundante que deverá ser vivida pelos formandos e pelos professos é a do ir ter com os leprosos – Que significa isto? Francisco diz que sua conversão começou quando acolheu o leproso. Por isso, formadores sábios e experimentados, levam os formandos a visitar e a conviver com pessoas chagadas no corpo ou no espírito. Trata-se de fazer uma experiência concreta da miséria humana, acompanhada da ternura do coração. Francisco diz que foi ter com os leprosos. Em nossas cidades há irmãos vivendo em condições delicadas de vida. Os formandos poderão, regularmente, visitar asilos com pessoas idosas, doentes em hospitais, presos em seus cárceres, drogados, meninos de rua. As ocasiões são muitas para esse contato com o Cristo que sofre nos mais pobres e mais abandonados. Se é verdade que os franciscanos seculares precisam se engajar na transformação da sociedade através de iniciativas corajosas no campo da política e da justiça, não é menos verdade que esse carinho delicado para com a senhora idosa que não recebe visitas, a oração feita junto as grades atrás das quais está uma mãe de família, a dedicação sem nome a um drogado ou a um idoso abandonado são lugares de encontro com o Cristo de Francisco. Felizes os iniciantes que são despertados para esta dimensão! Os irmãos deverão se alegrar quando convivem com os que contam pouco, os que são olhados de cima, os não autossuficientes, em estado de necessidade, os doentes e idosos, os mendigos. Os que se ocupam dos mais abandonados não deveriam poder levá-los para o albergue de sua fraternidade? Esses não poderiam, eventualmente, escutar o apelo para seguir o Evangelho à maneira de Francisco? Não seria buscar vocações lá onde a miséria campeava?
7. Experiência de fraternidade Os que se apresentam para seguir nosso caminho não entram numa fria instituição com regras e leis, com funcionários e esquemas. Eles são admitidos numa Fraternidade. Por isso, será necessário, nos primeiros anos de formação e sempre, fazer a experiência do querer bem, do ser irmão, do ser irmã. Pode se falar de um desdobramento da fraternidade de escuta da Palavra, fraternidade de oração e partilha de vida. Parece muito oportuno insistir neste último aspecto, ou seja, experimentar o irmão a seu lado. A vida da fraternidade é feita da existência cotidiana dos irmãos: alegrias, preocupações, trabalho de todos os dias, tarefas familiares e profissionais, experiências apostólicas etc. Cada irmão traz tudo isso para diante de seus irmãos. Necessário experimentar o ser irmão. Ninguém fica de lado, os dotes e dons são aproveitados e valorizados, a ausência é sentida. Será que os irmãos fazem esta experiência nas Fraternidades? Os formadores e conselhos com o Ministro são responsáveis em criar esse clima de fraternidade para que seja feita a experiência franciscana fundante.
8. Como concretamente uma fraternidade permite que seus formandos façam a experiência de fraternidade? O amor fraterno se exprime de muitas maneiras: atitude de acolhimento de cada um, atenção calorosa para com todos os membros da fraternidade, sem privilegiar afinidades pessoais, no exercício da escuta de uns pelos outros, cuidando que cada um encontre seu lugar na fraternidade e aí se sinta bem, criando-se um clima de confiança de sorte que todos possam se exprimir e encontrar ajuda que precisa, pessoas doentes e idosas serão cercadas de especiais atenções. Os formandos que conseguem viver com outros irmãos fazem um importante experiência de fraternidade. Ao mesmo tempo, eles se sentem encorajados a criar fraternidade para fora.
9. Transcrevemos algumas linhas do Ministro Geral dos OFM, Frei José R. Carballo, dirigidas aos frades menores. Tais observações, com as devidas adaptações, podem iluminar a formação dos começos da caminhada franciscana secular. O Ministro Geral fala do despertar nos formandos a paixão por Cristo e pela humanidade: “Para despertar e fortificar a paixão pelo Cristo, considero indispensável: formar-nos e formar para a experiência da fé, como raiz, coração e fundamento de nossa vida e missão; formar-nos e formar para a interioridade diante da supervalorização das aparências; ver nos momentos pessoais de solidão e de contemplação uma exigência para o encontro com a própria interioridade, um dom e uma exigência do encontro com o Senhor e com os outros; aprofundar a própria vocação e missão através de familiaridade com a Sagrada Escritura, de forma a poder fundamentar a caminhada pessoal e fraterna – discernimento pessoal e comunitário – sobre palavra de Deus; experimentar a vida sacramental – particularmente o sacramento da eucaristia e da reconciliação – como momentos fortes do encontro com o Senhor, conosco mesmos e com os outros. Para despertar e fortificar a paixão pela humanidade parece-me fundamental: formar e formar-nos para o essencial; formar e formar-nos para a austeridade e minoridade; formar e formar-nos para a cultura do diálogo, da acolhida e da hospitalidade; formar-nos e formar para uma espiritualidade encarnada; fazer opções, não somente experiências temporárias, que nos levem a partilhar a vida do povo, particularmente dos mais pobres, que nos levem a abraçar na caridade osleprosos de nossos dias” (Documento Com lucidez e audácia)
(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional do Sudeste III

Família e vocação franciscana secular

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Os franciscanos seculares considerem a família como o âmbito prioritário para viver o próprio compromisso cristão e a vocação franciscana e nela deem espaço à oração, à Palavra de Deus e à catequese, empenhando-se no respeito à vida, desde a concepção, e em qualquer situação, até à morte. (Const. Gerais da OFS, art 24, n.1).
1. Ninguém dúvida que a família seja uma das mais fundamentais e importantes realidades de todas as existências. A artigo da CCGG da OFS acima mencionado fala da família como âmbito, espaço prioritário para os franciscanos seculares. O texto pede que os seculares vivam todas as dimensões da Igreja doméstica que é a família. A Regra pede que vivam em família o espírito de paz, da fidelidade e do respeito pela vida. Que a família dos franciscanos seja, diante dos homens, sinal de um mundo já renovado em Cristo (cf. n. 15). Não estamos diante de um tema secundário, mas prioritário para a vida das fraternidades franciscanas, para a sociedade e para a Igreja. Todas as campanhas que visam destruir e desestabilizar a família deterioram o amanhã da humanidade.
2. Duas observações preliminares para que este texto possa ser bem compreendido. O autor destas linhas tem pleníssima consciência da complexidade cultural, social e religiosa das famílias de hoje. Não é possível, sem mais nem menos, querer rapidamente que nossas famílias se tornem Igrejas domésticas. Há uma decalagem entre o ideal e o que acontece. Essa é a primeira observação. Ao refletir sobre OFS e família não há nenhuma intenção de dogmatizar que nossas Fraternidades devam ser constituídas por casais e famílias. A OFS não é um grupo familiar. Sabemos disto. É uma escola de santificação aberta a todos.
3. O último Capitulo Nacional da OFS de Manaus pediu que, no triênio em curso, se prestasse atenção na ação missionária dos seculares. Falou-se da elaboração de um programa de ação missionária que viesse também a contemplar a atuação nas famílias, células primeiras da transformação do mundo… Porque o futuro da humanidade passa pela família, no dizer do Papa João Paulo e porque os seculares franciscanos precisam priorizar a família, fazemos algumas considerações que nos parecem oportunas visando irmãos em geral, mas de modo particular a atuação dos assistentes no seio de nossas Fraternidades. Cabe a estes fazer com que as Fraternidades tenham preocupações eclesiais.
4. As pessoas resolvem ser franciscanas seculares por vocação. Há todo um período de discernimento, de formação, de vivência numa fraternidade antes da profissão. Há um duplo movimento: os que são chamados a seguir Francisco no mundo se reúnem em fraternidades, mas logo em seguida são reenvidados ao mundo. Um rapaz, uma moça, um homem e uma mulher fazem parte de uma família. Ali eles serão franciscanos: a busca incessante do rosto de Deus, uma vida despojada e alegre cantando as glórias do Senhor, evangelizando, de alguma forma, a própria família. Não posso imaginar um franciscano secular sem apreço, carinho, devotamento, dedicação à própria família. Isso se traduz numa alegria de viver à mesa com os seus, de passar, pelo modo de ser, a alegria da simplicidade e da pobreza, o distanciamento de toda ostentação, mesmo contrariando membros da família. Não me parece normal que uma senhora, por exemplo, faça sua profissão, seu jubileu de prata na OFS sem que isto tenha nenhum significado para seu marido, seus filhos e seus familiares. Por isso sonho, sonho mesmo, que em muitas Fraternidades haja casados que caminhem juntos, que os dois construam uma família franciscana. Sonho com Fraternidades que tenham a criatividade e a decisão de fazer encontros com os familiares. Não é possível que anos a fio essas reuniões das Fraternidades ignorem as famílias. Filhos, irmãos, pais dos seculares precisam ser estimados pelos irmãos da Fraternidade.
5. Bom seria, muito bom seria, se marido e mulher fossem franciscanos seculares. “Os casados encontram na Regra da OFS um valioso auxílio para percorrer o caminho da vida cristã, conscientes de que, no sacramento do matrimônio, o seu mútuo amor participa do amor que Cristo tem pela Igreja. O amor dos esposos e a afirmação do valor da fidelidade são um profundo testemunho para a própria família, para a Igreja e para o mundo” (CCGG 24,1). Pode mesmo acontecer que a esposa de um terceiro ou o marido de uma senhora terceira não tenha vocação para a OFS. Nada de forçar seu ingresso. Mas ele ou ela poderiam ser simpatizantes e participar eventualmente das reuniões. Em minhas visitas tenho visto alguns casos desses. Eles me encantam.
6. A reunião da Fraternidade será marcada por temas familiares. Não posso me privar à alegria de transcrever luminosas orientações dadas pelas CCGG da OFS e que deveriam ser aprofundadas e incentivadas por todos os conselhos locais. Penso que um assistente poderia implementar e incentivar o que aparece aí.
Na Fraternidade: – que seja tema de diálogo e de partilha, de experiência a espiritualidade familiar e conjugal e a abordagem cristã dos problemas familiares; – partilhem-se os momentos da vida familiar dos co-irmãos e demonstre-se atenção fraterna com aqueles – solteiros, viúvos, pais sós, separados, divorciados – que vivem em situações e condições difíceis; – criem-se condições para o diálogo entre grupos de diferentes gerações;- seja favorecida a formação de grupos de casais e de grupos familiares (Art 24, n. 2). Sonho que os Conselhos locais incentivem a formação de grupos de famílias com forte presença de casais franciscanos. Temos que renovar. Temos que tornar sólidas as famílias. Não podemos ignorar o assunto.
7. Na Igreja do Brasil, em nossos dias, tenta-se organizar a Pastoral Familiar em nível diocesano e paroquial. Como seria bom se casais franciscanos, com seu jeito despojado, verdadeiro, leal, fraterno, simples, acolhedor, dialogante, pudessem ser líderes dessa pastoral! Não fomos convocados para sermos restauradores da Igreja, como Francisco? Por vezes, tendo trabalho quase duas décadas com a Pastoral Familiar em todos os cantos do país, penso que a Pastoral ganharia muito com agentes evangelicamente qualificados como são os franciscanos seculares. Se fizermos isso nada estaremos fazendo senão seguir os ditames das CCGG: “Os irmãos colaborem com os esforços que se envidam na Igreja e na sociedade para a firmar o valor da fidelidade e do respeito pela vida e para dar resposta aos problemas sociais da família” (Art 24, 3).
Concluindo
Nossas Fraternidades Franciscanas Seculares precisam se reinventar. O amanhã está sendo apontado pelo Espirito, que é a alma da Igreja e Ministro Geral dos franciscanos. As reflexões sobre a família poderão nos sugerir caminhos novos. Ou será que me engano?
(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional do Sudeste III