Imaculada Conceição da
Bem-aventurada Virgem Maria
Estamos diante de um
mistério. Ou seja: diante de um fato que nossa inteligência, por ser
conhecidamente limitada, não consegue abranger nem explicar por inteiro. O
mistério não contradiz a razão humana, mas a excede.
O privilégio da
Imaculada Conceição não se refere ao fato de Maria de Nazaré ter sido virgem
antes, durante e depois do parto de Jesus. Não se refere ao fato de ter ela
concebido o filho sem o concurso de homem, mas por obra e graça do Espírito
Santo. Não se refere ao fato de Maria não ter cometido nenhum dos pecados que
nós costumamos fazer, confessar e nos esforçamos por evitar. Refere-se ao fato
de Deus havê-la preservado da mancha com que todas as criaturas humanas nascem,
mancha herdada do pecado cometido por Adão e Eva. A teologia chama esta mancha
de “pecado original”. Original, não porque nascemos como fruto de um ato
sexual. Mas original, porque se refere à origem de toda a humanidade, ou seja,
aos nossos primeiros pais, que a Bíblia chama de Adão e Eva.
A Sagrada Escritura
ensina-nos que Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança. Não o fez por
necessidade, mas num gratuito gesto de amor. Criado por amor, o ser humano
estava destinado a uma plena e eterna comunhão com Deus. Comunhão tão íntima e
divina, que o próprio Filho de Deus dela poderia participar sem nenhuma
diminuição de sua divindade.
Ora, para o Filho de
Deus encarnar-se, Deus havia escolhido desde sempre uma mulher e a havia
imaginado santíssima, ou seja, adornada com todas as qualidades e belezas do
próprio Deus. Para Deus, imaginação e criação é a mesma coisa.
Aconteceu, no
entanto, o grande transtorno: nossos primeiros pais, apesar de feitos à imagem
e semelhança de Deus, eram criaturas e como criaturas dependiam do Criador. Sua
liberdade era a plenitude da liberdade como criaturas. Adão e Eva pecaram,
querendo passar da liberdade e santidade de criaturas à liberdade e santidade
do Criador, ou seja, quiseram igualar-se a Deus. Pecado de orgulho. Um pecado
de desobediência à condição de criaturas, querendo a condição do Criador. Eles
quiseram “ser como Deus” (Gn 3,5). Eles quiseram comportar-se como Deus e não
como criaturas de Deus.
A Sagrada Escritura
fala das conseqüências dramáticas dessa prepotência dos nossos primeiros pais:
embora mantendo a dignidade de imagem e semelhança de Deus, perderam, como diz
São Paulo “a graça da santidade original” (Rm 3,23), passaram a ter medo de
Deus, perderam o equilíbrio de criaturas, ou seja, foram tomados pelas más
inclinações e passaram a sentir em sua consciência a desarmonia e a tensão
entre o bem e o mal e a experiência da terrível necessidade de optar entre um e
outro, e “a morte entrou na história da humanidade” (Rm 5,12).
Ora, os planos de
Deus, ainda que as criaturas os desviem ou quebrem ou não os queiram, acabam se
realizando.
Aquela mulher
imaginada (criada) por Deus antes do paraíso terrestre, para ser a Mãe do Filho
em carne humana, estava isenta do pecado de Adão e Eva. Há, porém, uma verdade
de fé professada pela Igreja, que ensina que todas as criaturas humanas são redimidas,
sem exceção, exclusivamente pelos méritos de Jesus Cristo. Ora, Maria é uma
criatura e não uma deusa. Por isso, também ela deveria ter sido redimida por
Jesus.
Os teólogos
discutiram durante séculos sobre como Maria poderia ter sido remida. Nunca,
nenhum santo Padre duvidou da santidade de Maria, de sua vida puríssima, de seu
coração inteiramente voltado para Deus, ou seja, de ser uma mulher “cheia de
graça” (Lc 1,28). Mas, ainda que a pudessem imaginar imaculada, havia teólogos
que não conseguiam argumentos teológicos suficientes para crê-la isenta do
pecado original. Um deles, por exemplo, foi São Bernardo, autor de belíssimos
textos sobre Nossa Senhora, insuperável na descrição da maternidade divina de
Maria.
Entre os teólogos
favoráveis à imaculada conceição de Maria devemos mencionar o Bem-aventurado
Duns Scotus, que argumentava assim: Deus podia criá-la sem mancha, porque a
Deus nada é impossível (Lc 1,37); convinha que Deus a criasse sem mancha,
porque ela estava predestinada a ser a Mãe do Filho de Deus e, portanto, ter
todas as qualidades que não obnubilassem o filho; se Deus podia, se convinha,
Deus a criou isenta do pecado original, ou seja, imaculada antes, durante e
depois de sua conceição no seio de sua mãe.
Em 1615 encontramos o
povo de Sevilha, na Espanha, cantando pelas ruas alguns versos, derivados do
argumento de Duns Scotus: “Quis e não pôde? Não é Deus / Pôde e não quis? Não é
Filho. / Digam, pois, que pôde e quis”.
Também os artistas
entraram na procissão dos que louvavam e difundiam a devoção à Imaculada.
Nenhum foi tão feliz quanto o espanhol Murillo, falecido em 1682. A ele se
atribuem 41 diferentes quadros da Imaculada, inconfundíveis, sempre a Virgem em
atitude de assunta, cercada de anjos, a meia lua sob os pés, lembrando de perto
a mulher descrita pelo Apocalipse: “revestida de sol, com a lua debaixo dos
pés” (Ap 12,1). A lua, por variar tanto, é símbolo da instabilidade humana e
das coisas passageiras. Maria foi sempre a mesma, sem nenhum pecado.
“No entanto, escreve
o Santo Padre Pio IX, era absolutamente justo que, como tinha um Pai no céu,
que os Serafins exaltam como três vezes santo, o Unigênito tivesse também uma
Mãe na terra, em quem jamais faltasse o esplendor da santidade. Com efeito,
essa doutrina se apossou de tal forma dos corações e da inteligência dos nossos
antepassados, que deles se fez ouvir uma singular e maravilhosa linguagem.
Muitas vezes se dirigiram à Mãe de Deus como a toda santa, a inocentíssima, a
mais pura, santa e alheia a toda mancha de pecado, … mais formosa que a beleza,
mais amável que o encanto, mais santa que a santidade, … a sede única das
graças do Santíssimo Espírito, sendo, à exceção de Deus, a mais excelente de
todos os homens, por natureza, e até mesmo mais que os próprios querubins e serafins.
E para a decantarem os céus e a terra não acham palavras que lhes bastem”
(Ineffabilis Dei, 31).
No dia 8 de dezembro
de 1854, o bem-aventurado Papa Pio IX declarou verdade de fé a conceição
imaculada de Maria. O dogma soa assim: “Pela inspiração do Espírito Santo
Paráclito, para honra da santa e indivisa Trindade, para glória e adorno da
Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica e para a propagação da
religião católica, com a autoridade de Jesus Cristo, Senhor nosso, dos
bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e nossa, declaramos, promulgamos e
definimos que a Bem-aventurada Virgem Maria, no primeiro instante de sua
conceição, foi preservada de toda mancha de pecado original, por singular graça
e privilégio do Deus Onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador
dos homens, e que esta doutrina está contida na Revelação Divina, devendo,
portanto, ser crida firme e para sempre por todos os fiéis” (Ineffabilis Dei,
42).
Mas a devoção à
Imaculada é muito antiga. Basta lembrar que a festa é conhecida já no século
VIII. Desde 1263, a Ordem Franciscana celebrou com muita solenidade a Imaculada
Conceição, no dia 8 de dezembro de cada ano e costumava cantar a Missa em sua
honra aos sábados. Em 1476, o Papa Xisto IV colocou a festa no calendário
litúrgico da Igreja. Em 1484, Santa Beatriz da Silva, filha de pais
portugueses, fundou uma Ordem contemplativa de mulheres, conhecidas como Irmãs
Concepcionistas, para venerar especialmente e difundir o privilégio mariano da
Imaculada Conceição de Maria, Mãe de Deus.
Desde a proclamação
do dogma, a festa da Imaculada Conceição passou a ser dia santo de preceito.
Em Roma, na Praça
Espanha, para perenizar publicamente a declaração do dogma, levantou-se uma
belíssima e trabalhada coluna encimada pela estátua da Imaculada Conceição.
Todos os anos, no dia 8 de dezembro à tarde, o Papa costuma ir à Praça e com o
povo romano e os peregrinos reverenciar o privilégio da imaculada conceição da
santíssima Virgem, privilégio que deriva de seu título maior: ser a Mãe do
Filho de Deus Salvador.
Nem quatro anos
depois de proclamado o dogma, em Lourdes, na França, à menina Bernardete,
simples e analfabeta, que perguntava insistentemente à visão quem era ela,
recebeu como resposta, cercada de terníssimo sorriso: “Eu sou a Imaculada
Conceição”.
Não podemos esquecer
que a estátua de Nossa Senhora Aparecida é uma Imaculada Conceição e por isso
mesmo seu título oficial é Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Como é bonito,
piedoso e comovente escutar o povo brasileiro cantando uníssono: Viva a Mãe de
Deus e nossa / sem pecado concebida! / salve, Virgem Imaculada, / ó Senhora
Aparecida!
Frei Clarêncio Neotti, OFM
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