quinta-feira, 30 de agosto de 2012


POR QUE A TI, FRANCISCO?

Ninguém duvida da atualidade e da força de atração da mensagem evangélica encarnada por São Francisco há oito séculos. De fato, o testemunho do Poverello de Assis ultrapassa os confins de sua época, de sua cultura. É impossível confiná-lo dentro de uma confissão religiosa e, muito menos, considerá-lo como uma “propriedade privada” de seus seguidores. Trata-se de uma experiência espiritual com uma dinâmica particular, com um fascínio, que não pode ser circunscrito a um momento histórico ou a um determinado grupo. Sempre que se tenta encerrar sua mensagem em definições, sempre que se pensa haver encontrado a fórmula de sua mensagem e tê-la assimilado, sua riqueza explode em conteúdos e modalidades surpreendentemente novas. O aparecimento, ao longo dos séculos, de sucessivas famílias religiosas e grupos que se alimentam de seu carisma, como também as várias tentativas de “reforma” das ordens franciscanas, são um sinal evidente dessa inquieta riqueza.
Trata-se de uma mensagem, de uma espiritualidade, que reivindica sua liberdade, sua alegria de existir. Parece encontrar a própria casa só quando não tem casa.
Desde que, na praça de Assis, diante do Bispo e dos concidadãos estupefatos, Francisco se despojou, restituindo tudo ao pai, com as palavras: “Daqui pra frente poderei dizer com liberdade: Pai nosso que estais nos céus… e não mais meu pai Pedro Bernardone, ele e sua mensagem não suportam mais nenhuma escravidão. Nenhum hábito será mais de seu tamanho.
“Francisco, por que todo o mundo corre atrás de ti, e parece que todos querem ver-te, ouvir-te e obedecer-te? Francisco, por que todos correm a ti?” (Fioretti, 10). A pergunta de Frei Masseu receberia hoje as respostas mais diversas: por causa do espírito poético, por causa de seu amor pela natureza e pelas criaturas, por causa de sua total partilha com os mais pobres, por causa de sua capacidade de reconciliar e pacificar… A lista poderia continuar, ou melhor, cada século tem sua lista com as próprias respostas. Cada família, cada instituto franciscano, entre as centenas que nasceram no curso da história, pode reivindicar e definir seu símbolo, seu “hábito”, sua estrutura, seu compromisso social; mas infeliz de quem vê nessas obras, ou em outras formas externas, a realização definitiva da espiritualidade franciscana! Francisco repete a cada um: “Não quero que me falem de nenhuma regra, nem de São Bento nem de Santo Agostinho nem de São Bernardo, nem de outro ideal ou maneira de viver diversa daquela que o Senhor, em sua misericórdia, se dignou revelar-me e ensinar. O Senhor manifestou o desejo de que eu seja um novo insensato nesse mundo…” (Esp. 68, cfr. 1Cor 4,10).
O “milagre evangélico” de nome Francisco nasceu quando ele substituiu a eficiência de uma vida baseada sobre o comércio e a acumulação, o ideal cavalheiresco que todos sabiam que tinha, pela imagem do Cristo pobre, pela imagem de um Deus que se revela na pobreza, na fragilidade, na expropriação, no mais radical dom de si: “O Filho do homem não tem onde pousar a cabeça”. Nessa “insegurança” vivida pelo Filho de Deus na terra, o santo de Assis encontrou sua segurança, o ponto de referência, o horizonte claro, tão fascinante, tão nítido que tudo em torno dele mudou de rosto e de significado. Nascem relações novas, profundas, livres e libertadoras. Tudo é potencializado: suas intuições sempre novas, sua afetividade sem limites, sua fantasia simbólica que, ano após ano, se torna cada vez mais audaz e confiante. Tudo é vivido em simplicidade e unidade, olhando para o horizonte determinante: “Agora posso dizer com liberdade: Pai nosso que estais nos céus”. Sua pobreza é fazer nele espaço ao Espírito, que multiplica a capacidade criativa que vem de Deus e só de Deus.
Por que Francisco encanta ainda e não deixa a gente “dormir” em paz?
Porque aponta diretamente para a Boa Nova, convida e incita a cada um de nós a um encontro frontal com a mensagem do Evangelho. “Agora toca a ti, ao teu corpo, ao teu coração dar carne ao Evangelho, com coragem e sem hesitações. Estás nos braços de Deus Pai, não tenhas medo!” Francisco encanta, porque revela e expressa todas as possibilidades existentes em nós, mas que tantas vezes não conseguimos liberar, porque estamos muito voltados para nós mesmos e isso nos sufoca e angustia. O abandono em Deus despertou em Francisco a confiança em si mesmo como objeto dos inexauríveis dons de Deus e das infinitas possibilidades que a pessoa tem de expressar-se; revelou-lhe a alegria da expropriação radical e da liberdade para o Reino; abriu-o à fecundidade inesgotável do relacionamento com as pessoas e com o mundo criado, transformando-o no homem de diálogo, da comunhão e da paz. Esse abandono total, parecido ao da criança que tudo espera de seus pais, vai sendo conquistado dia a dia, na ausculta da Palavra, quase diria, defendendo Deus de nós mesmos, percorrendo com audácia os vários caminhos da espoliação.
“Francisco, diz o primeiro biógrafo, parecia um homem do outro mundo” (1Cel 36): de um mundo mais humano, fraterno, respeitoso, solidário; o mundo que todos desejamos e com o qual sonhamos. Poderia ser o mundo do terceiro milênio, se não suportarmos passivamente as imposições das infindáveis formas idolátricas e egocêntricas que nos são impostas, mas acolhermos, com um coração renovado, o projeto originário de Deus em nós. É essencial reapropriar-nos, com entusiasmo, da novidade da mensagem do Evangelho transmitida pelo original fascínio de Francisco, dando-lhe novas formas mais transparentes, mais eloqüentes, mais significativas, encontrando “odres novos para o vinho novo”, de tal maneira que a nossa vida seja um anúncio coerente Daquele em quem pusemos nossa esperança. A cada um de nós, homem ou mulher, é dirigido o recado que o Poverello deixou na hora da morte: “Eu fiz a minha parte, Cristo vos ensine a fazer a vossa” (2Cel 214).
Francisco nos deixou um conteúdo “nu” como nu estava ele na praça de Assis. Deixou-nos uma mensagem clara para ser encarnada e testemunhada.
“Por que a ti, Francisco?” Quando Francisco passava pelas estradas, todos corriam atrás dele, porque percebiam que nele havia bem mais que ele mesmo. Cabe a nós dar novo vigor, concretude e atualidade a esta mensagem. Não podemos frustrar as esperanças do mundo em que vivemos.

Fonte: www.pvf.com.br

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