quinta-feira, 15 de novembro de 2012


A religião pura e sem mancha


Nunca se viu tanta religião como hoje! Quanto mais se fala da suposta “desimportância” da religião para o homem contemporâneo, tanto mais aparecem religiões de todo tipo. Antigas são recicladas, novas aparecem; tem para todos os gostos, para todas as serventias e também para todos os bolsos…
Nessa exuberância de religiosidade, há algo de intrigante e positivo; pelo menos, fica evidente que a busca religiosa não é coisa do passado, necessidade de pessoas pouco esclarecidas, suspiro dos desesperados e deserdados dos bens deste mundo, como às vezes se afirma… Essa persistência da religião e o cultivo de alguma forma de religiosidade manifestam uma característica própria do homem: ele é um ser que não se basta e está à procura; é um ser aberto a Deus e capaz de entrar em sintonia com ele.
E as pessoas são levadas a fazer suas escolhas religiosas, por critérios muito variados; direito de escolha, liberdade religiosa e respeito à consciência merecem todo o respeito e consideração. No entanto, é inegável que, nessa variedade imensa de propostas religiosas, nem tudo está bem, nem tudo pode ser posto no mesmo nível; para além das suas fragilidades históricas, a religião tem por objetivo fundamental ajudar o homem a se colocar em sintonia com Deus e, dessa forma, abrir-lhe a possibilidade de viver uma existência humana mais autêntica e ser feliz.
Na religião, a questão fundamental é a busca de Deus e a relação com ele; é questionável quando a religião é proposta apenas como caminho de satisfação de necessidades mais imediatas do homem, sem vinculação com Deus e sem a preocupação do reconhecimento e de Deus, como Deus; sem levar à adoração, como expressão desse reconhecimento, e sem responder ao anseio pela luz da verdade, que tem sua fonte em Deus.
É preocupante, quando na proposta religiosa não se fala da obediência a Deus, como expressão e resposta sincera de fé e amor a Deus; mais preocupante ainda, quando a religião é explorada como fonte de lucro e pretexto para tomar o dinheiro do povo! É uma forma grave de desrespeito ao nome e ao ser de Deus!
Jesus faz severas críticas à religiosidade exterior e formal dos fariseus e mestres da lei, preocupados apenas com ritos e tradições humanas, que davam revestimento à religião; eles esqueciam, ou pouco se importavam, com os mandamentos da Lei de Deus; nem ligavam para a retidão de vida, a honestidade e o amor ao próximo (cf Mc 7,1-23).
E Jesus aplica a eles uma queixa amarga de Deus, feita através do profeta Isaías: “este povo me honra com a boca, mas seu coração está longe de mim!” (cf Is 29,13). Jesus coloca o acento da prática religiosa na sincera adesão interior a Deus e sua vontade, expressa nos mandamentos (cf Mc 7,8-23). Moisés, após explicar os Mandamentos ao povo, recomenda que sejam observados fielmente, como sinal de compromisso com Deus e de adesão à sua vontade; e os Mandamentos, indicando o caminho justo e reto, são fonte de verdadeira sabedoria e caminho para o bem viver.
Nas palavras do apóstolo São Tiago, “a religião pura e sem mancha diante de Deus e Pai é esta: assistir os órfãos e viúvas em suas dificuldades e guardar-se livres da corrupção do mundo” (Tg 1,27). Órfãos e viúvas eram as categorias sociais mais vulneráveis e desassistidas. Não é diferente daquilo que ensina o apóstolo São João: “não se pode amar a Deus, a quem não se vê, se não se ama ao próximo que se vê” (cf 1Jo 4,19-21). O próprio Jesus ensina que amor a Deus e amor ao próximo se completam e fazem parte de um único amor verdadeiro.
A multiplicidade de propostas religiosas requer uma atenção crítica, para distinguir as propostas verdadeiras das falsas. Com certa frequência, pretende-se apontar por onde deveria a Igreja Católica andar, para superar a crise e encontrar a fórmula do sucesso…Tentações perigosas poderiam levar a trocar a verdade pela vantagem, a retidão moral pelo formalismo exterior, a obediência a Deus pela manipulação mágica do poder de Deus; a satisfação de necessidades imediatas, em vez da humilde adoração de Deus… Ninguém se deixe tentar: não é por aí que devemos seguir.
Por Cardeal Odilo Pedro Scherer – Arcebispo de São Paulo (SP)

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